quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

   As pílulas de ontem não eram por você, nem pelo meu desprezo soturno que emana por todo o éter; não eram pela leveza excruciante de meu ser, nem pelo tom álacre que uso como capa; não eram pelos pensamentos pletóricos e atrozes que urgem em meu réquiem, nem pela algaravia tétrica dos que me rodeiam. As pílulas de ontem carregavam um tom inefável, as pílulas de ontem só queriam me fazer flutuar. Sussurravam de forma melíflua prometendo me libertar de meu ser flébil.
   As pílulas de ontem saíram da mesma forma que entraram, rude, abrupto, áspero, atroz. Se foram junto com a minha esperança. Deixaram minha carcaça taciturna e ignóbil aos corvos.
   As pílulas de ontem me conduziram ao éden e se foram. Deixaram me sozinha morrendo aos poucos, novamente.

domingo, 20 de outubro de 2013

"Felizes esses nos quais paixão e razão vivem em tal harmonia que não se transformam em flauta onde o dedo da sorte toca a nota que escolhe. Me mostra o homem que não é escravo da paixão e eu o conservarei no mais fundo do peito."

Hamlet, de Shakespeare.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Não há verdade.
Não há verdade que sobreviva à boca dos insatisfeitos, à vaidade dos tolos, ao tédio dos infelizes e à visão dos injustiçados. Não há verdade que não seja contaminada pelos encantos da existência tóxica universal.
Se tu és a verdade, meu caro, que morto tu estejas! Pois esta é a parte que lhe cabe neste latifúndio pobre de realidade e rico de entorpecimento.
"Não conheço o parece.
Não é apenas meu manto negro, boa mãe,
Minhas roupas usuais de luto fechado,
Nem os profundos suspiros, a respiração ofegante.
Não, nem o rio de lágrimas que desce de meus olhos,
Ou a expressão abatida de meu rosto,
Junto com todas as formas, vestígios e exibições de dor,
Que podem demonstrar minha verdade. Isso, sim, parece,
São ações que qualquer um pode representar.
O que está dentro de mim dispensa e repudia
Os costumes e galas que imitam a agonia."

Hamlet, de William Shakespeare.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

"Quanto aos meus restos mortais, suplico encarecidamente; não o torturem com choros, rezas ou velas. É apenas a minha matéria e imploro que a deixem degradando-se em paz. A putrefação não é degradante. Se a humanidade permitisse que a natureza tomasse o seu curso, seria o renascimento da matéria. Eu renasceria no vento que passa a murmurar, nas folhas que farfalham, no solo que abriga e alimenta milhares de seres vivos, na água que corre para o mar, nas chuvas que regam os campos, no orvalho que cintila ao luar, nas grandes árvores que abrigam ninhos de passarinhos e que vergam a passagem dos ventos fortes, nos pequenos arbustos que escondem a caça do caçador... Céus! Eu me vingaria se apenas uma de minhas partículas participasse do desabrochar de uma flor ou do canto de um pássaro."

Escrito por Amanda Domingos

sábado, 7 de setembro de 2013

Por esse desgosto que desfaleço, me tornei imparcial.
Por esse desprezo que me envolve, aderi ao caos.
Abdiquei de tudo na esperança de um efeito espelhado.
Tive em troca um delírio amargo, o qual não largo.
Preferia eu ser comprimida por nuvens, do que soterrada pelo que vejo.
Do que viver paralela ao desejo.
   Oh amor, Amor; em plena responsabilidade das consequências eu teria posto teu nome como sagrado e impronunciável em vão. Ah, quantas citações frívolas tive de ouvir sobre ti, tu sabes Amor, que eu correria pelos bares divulgando teu caráter, diria a eles - pobres seres adornados de vaidade - que estavam errados até agora te utilizando como instrumento da cobiça. Sem hesitar, dariam-me um fardo a carregar pro resto de minha vida, o fardo de não ser ouvida por ser estar fora dos padrões de sanidade social. Calar-me-ia porque o tal ser soberano em relação aos demais, não tem ouvidos para o que lhe faz menos ríspido.
   Ah, Amor. Se falo de ti em tom lúgubre, é porque muita falta me faz. E continuarei aos cantos gritando por ti, pra ver se lhe encontro simples e pueril, como quis te mostrar.